quarta-feira, 30 de março de 2016

Histórias em polaroids

Ia começar o meu post a dizer "Depois de x tempo sem escrever..." mas depois olhei para o título do meu último e pensei que era vergonhoso sequer datar isto. Vamos então começar normalmente, como se nunca vos tivesse deixado, mas fazendo uma pequenina introdução deste tempo que passou.

Os amigos que tinha no meu último post não são os mesmos. A minha colega de casa do Brasil veio, finalmente, para casa. Coloquei internet em casa e posso dizer-vos que pago 75€ por mês só por esse serviço. Já sei como se trabalha normalmente nos dois tipos de avião que voo. Neste mês recebi mensagens de mais de 20 pessoas com quem mal falava. Finalmente conheci Londres, Londres. E percebi que deixei de vos escrever porque já não me sentia tão sozinha. (O que é bom, certo?)



Hoje, quero falar-vos de algo que transcende o simples trabalho de ser cabin crew. Contar-vos-ei então três histórias onde vão perceber um bocadinho mais sobre mim. Espero que, nelas, entendam também que ser hospedeira de bordo não é só viajar o mundo mas ser mais que só nós mesmos: ser os outros.



Megan (11 anos) -  Dubai-Sydney

Viajava sozinha. Estava sentada no meio da cabine e fui tentando falar com ela quando entrou a bordo do avião. Disse-lhe o meu nome e para me chamar caso precisasse de alguma coisa. Quando as crianças viajam podem optar por ter uma comida especial que diz respeito à idade delas - child meal. Todas estas comidas pré reservadas pelos passageiros são entregues em primeiro lugar. Por coincidência fui eu a entregar-lhe a comida dela. No começo do voo ela estava a dormir mas quando acordou e lhe dei a comida ela disse-me que se sentia um pouco tonta e mal disposta. Como eu não sabia se ela tinha comido ou não antes do voo dei-lhe também umas frutas e uma 7UP. Não sei se ajuda na indigestão ou não mas "aqui nós achamos que sim". Passei ao lado dela depois disso tantas vezes quantas consegui e dei-lhe um livrinho que temos a bordo para as crianças pintarem desenhos e com actividades já que ela não estava acordada quando eles foram entregues. Como ela continuava mal disposta e já tinha passado um bom tempo, decidi baixar-me à altura dela no corredor da cabine e conversar para a distrair. Foi aqui que ela me disse que tinha 11 anos e que viajava desde os 5 para ver ambos os pais. Eles eram divorciados e ela passava metade do tempo com cada um. Depois desta pequenina conversa mas cheia de informações, ela pediu-me uma folhinha de papel para fazer um desenho e eu disse-lhe para ela desenhar um avião. No final do voo, a Megan veio ter comigo e trouxe-me uma carta sobre o voo e a Emirates e um desenho de um avião.

Antes da aterragem fui ter com ela e tirei uma foto do seu lado, que lhe ofereci no final com uma dedicatória. A foto está com ela. A memória ficará comigo por muito tempo.

Leni (2 anos e meio) - Frankfurt-Dubai

Antes de cada take-off um vídeo de segurança é apresentado em todos os ecrãs. Enquanto está a decorrer, toda a crew tem de permanecer numa determinada posição na cabine para que os passageiros na sua área a vejam. Olho para o meu lado e lá estava ela, a dar beijinhos ao seu irmão mais novo. Quando sorri para ela mostrou-se muito envergonhada. Deu-me ainda mais vontade de a conhecer. A Leni estava a viajar com os pais e, como já disse, com o seu irmãozinho. Depois de ser permitido andar na cabine fui ter com ela. O pai dormia com o bebé ao colo e a mãe tentava dormir, mas ela tinha ainda muita energia naquele momento. Sentei-me no chão ao lado dela e disse-lhe olá, enquanto lhe perguntava o nome. Não mo queria dizer e escondia-se atrás da mãe. Enquanto a mãe a ajudava a dizer-me o que eu ia perguntando, ela ia perdendo a timidez. Depois de comer a papinha de frutas que a mãe lhe deu, reparei que tinha a boca suja com a compota e peguei uma toalhita húmida e limpei-a. A mãe agradeceu muito. Fui brincando com ela durante o voo, fizemos desenhos em post-its amarelos e peguei uma caixinha de lápis para ela ir desenhando a cores. Mostrei-lhe onde se sentam as hospedeiras e ensinei-a a colocar e tirar o nosso cinto de segurança. Depois de algum tempo levei-a de novo até à mãe dela. Sentei-me de novo no chão e diz-me a senhora: "Ah,,, a menina é portuguesa. Olha Leni, ela é como a Ana, a tua professora. Também é de Portugal!". Descobri que ambos os pais já tinham visitado Lisboa e adoraram o nosso país. Passei com a máquina fotográfica e fi-la fazer um grande sorriso para a fotografia. A mãe disse-me que foi a primeira vez que a conseguiram fazer querer tirar uma foto a bordo com o chapéu da Emirates. 

Ivan (1 ano) - Hong Kong-Dubai

Mal o avião começa a subir ouvem-se gritos de um bebé na cabine. O voo era nocturno então o choro de um bebé é desesperante tanto para crew como passageiros. Os passageiros, bem, querem dormir. A crew tem de lidar com as reclamações dos passageiros que querem dormir. Depois de a supervisora ter ido ter com este bebé, senti-me na obrigação de ver o que se passava. O nome dela era Ivan e viajava só com a sua mãe, natural de Hong Kong. Olhei para os olhos dela e vi o quão cansada estava. Nesse momento ele chegava perto da janela como quem queria fechar a persiana. Peguei-o ao colo e ajudei-o. Depois abrimos de novo. E fechámos. E abrimos. Sempre que a fechávamos ele gritava um "Oooops". Sempre que abríamos ele punha-se à espreita do que estava do lado de fora - que era nada, só noite escura. Estava irrequieto. A mãe dizia-me o quão cansado ele devia estar e que não entendia como ele conseguia estar a lutar tanto contra o sono. Sentei-me então no chão com ele. Já lhe tinham dado um panda-cobertor, um baralho de cartas e bolachinhas. Nada o calava. Lembrei-me então de lhe contar uma história. Quando era pequena aprendi na televisão a contar uma história com um papel quadrado onde aparece uma coroa. um pato, uma raposa. A mãe ficou encantada. Mais até do que ele. Nesse momento perguntou-me se eu mesma tinha filhos porque tinha muita paciência e muito jeito. Disse-lhe que não mas que tinha um irmão mais novo com 12 anos de diferença e sabia como lidar com crianças. Aí ela contou-me que a filha mais velha dela também tem 12 anos de diferença do Ivan e que a ajuda imenso a cuidar dele. Que lhe dá miminhos a todos os minutos. Sorri.  Perguntei à mãe se ela queria tirar uma foto com ele como recordação e ela aceitou. Tirei-lhes 4. Decidi então que precisava de um chá. Quando entrei na galley, ouviu-se novamente o choro dele. Quando eu chegava perto e pegava nele, o choro parava. Isto foi acontecendo durante o voo todo, até que o deitei no baby bassinet e ele acabou por adormecer. Tinham passado seis horas de voo. O voo teve oito e meia.



Vemo-nos em breve.
Prometo.

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